O que é agrofloresta e por que ela vai mudar a paisagem produtiva que conhecemos

Em matéria para o Globo Rural, Valter Ziantoni e Paula Costa explicam porque o sistema é a solução para produzir alimentos e regenerar ecossistemas sem separar a conservação da produção agrícola.

O Brasil se destaca na produção agrícola mundial, seja por extensão de terra, seja por volume de exportação. Segundo dados recentes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, mais de R$ 600 bilhões (valor bruto de produção) foram produzidos na safra de 2019, sendo R$ 394,76 bilhões referentes à agricultura e R$ 207,15 bilhões referentes à pecuária. Deste montante, entre 50 e 70% foram produzidos pela agricultura familiar. Essas cifras são encabeçadas pelo Mato Grosso, São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Entretanto, os impactos ambientais ocasionados pelo setor também são bem conhecidos e criticados pela sociedade e pela mídia internacional, que rotula o agro como o principal responsável pelas mudanças climáticas, perda da fertilidade do solo e florestas.

Esse pensamento geral é catalizado pelo momento no qual o planeta se encontra, abrigando o maior número de habitantes já visto, com uma crescente demanda de recursos naturais, crescente emissão de carbono e na máxima expressão (até agora) das consequências, ainda iniciais, das mudanças climáticas. Esse cenário, embora problemático, nos ajuda a lembrar, que, como agricultores, devemos pensar o solo como o maior ativo produtivo que possuímos, evidenciando ainda mais a importância da conversão de nossa agricultura para modelos produtivos que mitiguem esses impactos e demonstrem que a produção de alimentos pode ser feita em harmonia com práticas regenerativas; ou seja, além da conservação, devemos pensar na otimização do uso do solo.

“Podemos produzir alimentos e regenerar ecossistemas sem separar a conservação da produção agrícola. Essa solução é chamada agrofloresta

Solo fértil e saudável produzirá plantas saudáveis, com alta densidade nutricional e alta resistência a pragas e doenças. Felizmente, as oportunidades que os avanços científicos e a compreensão holística da paisagem nos trazem possibilitam equalizar ecologia e agricultura, maximizando as possibilidades produtivas do planeta.

Em outras palavras, mimetizando a lógica das florestas, podemos produzir alimentos e regenerar ecossistemas sem separar a conservação da produção agrícola. Essa solução é chamada agrofloresta.

Agricultores de todas as escalas podem adotar sistemas agroflorestais, ao menos em uma parcela de suas propriedades

Agroflorestas são sistemas antropogênicos milenares, surgidos nos primórdios da agricultura, há mais de 13 mil anos no Crescente Fértil – região localizada entre os rios Tigre e Eufrates – e aplicado, ainda hoje, de forma empírica e quase instintiva por diversos povos nativos e pequenos produtores rurais ao redor todo o mundo.

Os sistemas agroflorestais constroem campos produtivos tridimensionais, replicando as dinâmicas e disposições naturais, no tempo e no espaço, utilizando a lógica da estratificação e da sucessão. Ou seja, considerando as possibilidades de produção em estratos (andares), maximizando a área produtiva, a taxa fotossintética, a conservação da fertilidade do solo, a retenção de água, a redução do uso de insumos químicos e, consequentemente, a produção. De forma bastante simples, significa trazer árvores para dentro dos sistemas produtivos ou levar a agricultura para dentro das florestas.

Quando produzimos em consonância com a lógica que a natureza desenvolveu por milhões de anos, usamos toda essa inteligência a nosso favor, e passamos a deixar para trás uma agricultura de pesados insumos, na qual o solo é visto apenas como substrato de suporte, todas as demandas nutricionais das plantas são supridas por adubos químicos e todo o controle é feito por defensivos agrícolas.

Na agrofloresta, os insumos dão lugar aos processos de produção e manejo e a monocultura abre espaço para a policultura e para a biodiversidade. Justamente o que faz com que sistemas regenerativos sejam mais rentáveis é o aumento da diversidade e o consórcio com plantas perenes, reduzindo drasticamente o manejo intensivo do solo e o uso de insumos químicos.

“Agricultores de todas as escalas podem adotar sistemas agroflorestais, ao menos em uma parcela de suas propriedades, muitas vezes fazendo uso de suas reservas legais”

Com mudanças simples de práticas de manejo e substituição de alguns insumos, de forma gradativa, agricultores de todas as escalas podem adotar sistemas agroflorestais, ao menos em uma parcela de suas propriedades, muitas vezes fazendo uso de suas reservas legais (RL).

São inúmeros exemplos, no Brasil e no mundo, de sistemas agroflorestais rentáveis e operacionalmente possíveis, inclusive em larga escala. O aumento de produção gira ao redor de 60% e, além disso, a maior diversidade de produtos associada ao prêmio de preço pela qualidade e valor agregado promovem ganhos muito maiores que o mercado de orgânicos.

Se existem tantos desafios associados ao clima e à sociobiodiversidade, e se a agrofloresta promove equilibrio do ecossistema, resiliência climática, econômica e alimentar, por que não é um sistema massivamente aplicado na agricultura ainda?

Por mais antigas que as agroflorestas possam parecer, apenas na última década a sistematização das práticas de manejo e a modelagem econômica de sistemas regenerativos passaram a tomar forma e ganhar adeptos na larga escala. E somente a partir da sistematização de designs, os sistemas agroflorestais tornaram-se replicáveis, podendo ser implantados em qualquer bioma e para qualquer cultura, de grãos à pecuária.

“Estamos abordando e presenciando o nascimento da mudança do sistema produtivo vigente, pois agroflorestas podem promover uma taxa de fixação de carbono maior que a própria preservação da floresta”

A real macro restrição existente para a adoção de sistemas mais biodiversos e regenerativos é a mudança de pensamento. Estamos presenciando o início da transformação dos sistemas produtivos no planeta. A pressão das mudanças exponenciais que o mundo enfrenta hoje são também potencializadores dessa mudança de pensamento. A concientização do mercado consumidor também impulsiona e acelera os negócios regenerativos.

Ainda que tenhamos um longo caminho a trilhar e um arcabouço técnico a ser desenvolvido, não há dúvidas de que agricultores, técnicos e investidores que apostarem hoje na agrofloresta estarão muito mais preparados para um mercado competitivo, que se torna cada dia mais robusto e real. Em poucos anos, profissionais capacitados em sistemas complexos agroflorestais estarão em posição de considerável vantagem no mercado, encabeçando a compreensão dos mecanismos produtivos de uma nova agricultura, resiliente e lucrativa.

Não estamos falando apenas de uma mudança em direção a uma agricultura mais regenerativa: estamos abordando e presenciando o nascimento da mudança do sistema produtivo vigente, pois agroflorestas podem promover uma taxa de fixação de carbono maior que a própria preservação da floresta. Ou seja, em alguns casos, a agricultura feita dessa forma pode ser melhor para o meio ambiente do que a própria floresta intocada.

A criação de uma agricultura e pecuária sustentável e regenerativa, em seus diferentes escopos, é uma necessidade global e uma oportunidade de mercado para o agricultor e o pecuarista brasileiro. Arranjos produtivos biodiversos e complexos, incluindo árvores na paisagem, como os sistemas agroflorestais, apresentam-se não apenas como mais uma alternativa, mas, sim, como a solução que detém o real potencial de transformar o agronegócio brasileiro em um setor que, além de viável financeiramente, proveja impactos ambientais positivos para a sociedade e para o planeta. Vamos ser mais do que o celeiro produtivo do mundo: vamos ser a solução!

Autoria: Everton

Fonte: Globo Rural

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