Muita gente não sabe, mas ainda existem povos indígenas espalhados pelo estado de São Paulo. O sudoeste do estado foi um refúgio onde permaneceram diversos povos indígenas até o início do século XX, quando houve uma expansão territorial e agrícola mais acirrada e esses povos foram expulsos e exterminados.
A PRETATERRA escolheu a tribo Karugwá, no município de Barão de Antonina, SP, para implementar parte dos 100 hectares de agrofloresta no seu projeto “Agrofloresta para a Mata Atlântica” apoiado pela fundação do banco suíço ‘UBS Optimus Foundation’. Nesta primeira fase, serão plantados até 5 hectares na aldeia indígena e o intuito é expandir para todo o território ao longo dos próximos passos do projeto.
Os indígenas da aldeia Karugwá, etnia Guarani, vivem em torno de 30 famílias e 150 pessoas, em 58 alqueires de terra, ou 140 hectares. Quando ali chegaram, com seus parcos pertences, era uma terra árida, desmatada, de pastagens degradadas e de baixa produtividade.
Os descendentes dos membros mais velhos da tribo Karugwá foram indígenas que se juntaram às tropas separatistas durante a Revolução de 1932. O grupo original se desmembrou de sua aldeia-mãe localizada em Avaí, SP em 2005, quando foram para a área protegida e demarcada pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio) em Barão de Antonina, SP, na divisa com o Paraná. Originalmente foram 12 famílias pioneiras. Quando chegaram, a tribo enfrentou muita discriminação dos vizinhos e do município. Depois de um longo trabalho de alinhamento e de construção de amizades, hoje contam com forte apoio da prefeitura local.
A tribo Karugwá abriga os descendentes destes indígenas que lutaram por suas terras e por sua cultura e conseguiram se manter no território por mais de 4 séculos de colonização. Apenas um dos membros mais experientes da tribo, seu Valdeci, sabe falar a língua originária de seu povo. Agora, seu Valdeci ensina seus companheiros e as próximas gerações, para manter viva sua cultura.
Hoje os membros da tribo Karugwá vivem da produção agrícola, ainda incipiente, do artesanato e do turismo. Alguns membros da tribo são professores e assistentes de saúde municipais, outros também trabalham fora da aldeia, em fábricas locais. Os membros mais velhos recebem aposentadoria.
Na tribo, a ideia da agrofloresta já é muito difundida. Muitos trabalham com quintais agroflorestais para subsistência, e contam com o auxílio de agrônomo da Funai para assistência técnica. Seu modo de vida praticamente autossuficiente é baseado na agricultura de subsistência, com produção de mandioca, milho, feijão, banana e frutas diversas, além da criação de galinhas, porcos, gado de leite e de corte e peixes. Para comercializar, os indígenas cultivam maracujá, manga, mamão, abacate e morango, produtos que vendem para agroindústria de polpas da região.
Nas conversas com os mais velhos, quando entendemos as espécies que utilizam e as práticas agrícolas que adotam, fica claro que trazer agrofloresta é na verdade um resgate da cultura ancestral desse povo.
Boa parte do território, especialmente nas áreas mais íngremes ou na beira dos corpos d`água, foi protegida e enriquecida com espécies nativas e, por isso, em alguns pontos a floresta voltou a se entremear na paisagem. Hoje mais de 30% da área voltou a ser floresta e eles querem mais: fazer restauração produtiva usando espécies frutíferas nativas na recuperação dessas matas ciliares.
Os jovens são muito ativos na comunidade e desenvolvem atividades para resgatar sua cultura. Sandro se juntou ao agrônomo da Funai que os apoia para restaurar as nascentes da sua terra. Nathan aprendeu com seu pai o artesanato do seu povo usando materiais da floresta, como fibras de palmeiras ou cipós, couro de lagarto e jacaré, penas de aves, sementes e cascas de frutos secos para elaborar desde braceletes, colares e cocares para eventos culturais e mobilizações de grupos indígenas, até bordunas, estilingues e arcos e flexas para caça e proteção. Aprendeu a arte indígena com seu pai Valdeir, cujo nome em sua língua original, o guarani, é Tupã kutsuwidju, que significa “Guardião do tempo”.
Para nós é realmente muito empolgante ser convidado a treinar arco e flexa por um guerreiro como Nathan e ganhar um bracelete digno de guerreiro. É uma oportunidade única que se apresenta durante os momentos de integração com a comunidade e estamos muito honrados por isso.
O trabalho da PRETATERRA é olhar para os primeiros habitantes do Brasil e ajudá-los a resgatar seus conhecimentos de uma agricultura ancestral e resiliente através da ótica de uma agrofloresta inovadora e integradora, o que nos ajuda a fortalecer os laços sociais e históricos mais intrínsecos, aqueles que verdadeiramente unem um povo em sua essência. A agrofloresta aqui mostra-se como uma ferramenta de resiliência, união, perseverança e pertencimento, por uma agricultura ambientalmente mais sustentável e socialmente mais integradora.